Resiliência auxilia profissionais a superar adversidades

Por Mel Castro
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18 fev., 2019

A habilidade de responder a situações de pressão e estresse sem comprometer a saúde e o trabalho pode ser desenvolvida e contribuir para o bom desempenho de várias atividades

Lidar contra o tempo para socorrer pessoas faz parte da rotina de trabalho do tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Goiás Thiago Wening, de 36 anos. Na corporação desde 2004, ele diz que entre as situações mais difíceis enfrentadas estão as de reanimação de pessoa com parada cardiorrespiratória e o resgate de vítima em afogamento no Rio Araguaia. “(Exige) chegar com rapidez, acalmá-la, tranquilizá-la e levar para um ponto seguro na praia.”

Na avaliação do tenente, a preparação psicológica para lidar com situações de pressão e adversidade em seu trabalho representa “100% da eficácia no atendimento”. “Se não conseguir controlar meu psicológico e me levar pelo emocional, vou ser uma segunda vítima e não conseguirei prestar atendimento com qualidade. Tenho que canalizar a dor para me dar mais vontade, motivação, de prestar o atendimento correto à vítima”, declara.

Essa habilidade do bombeiro pode ser descrita como resiliência. Um termo da física referente à resistência dos materiais, do qual, explica a psicóloga organizacional Dorothy Irigaray, a psicologia se apropriou para identificar a característica que algumas pessoas têm de responder aos revezes. “As pessoas se dobram e não conseguem se recuperar ou elas se dobram e conseguem se recuperar.” Estas últimas têm a característica de ser resilientes.

A psicóloga, que é diretora de Desenvolvimento Humano da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Goiás (ABRH-GO), informa que a resiliência “é algo que a gente aprende”. Essa habilidade, segundo ela, cada vez mais tem sido um diferencial na contratação ou no desenvolvimento do profissional, “porque a gente tem vivido situações que se modificam de maneira surpreendente”, cita Dorothy, que também é coach sênior e diretora da Bloom Assessoria em Desenvolvimento.

A psicóloga lembra que todas as profissões que envolvem um alto grau de insalubridade demandam resiliência, como os profissionais da saúde e da segurança. “Lembrando a situação de Brumadinho aí recentemente, os bombeiros diante de tanta adversidade, tanta tragédia, tanto sofrimento. É preciso ter muita resiliência para manter inclusive a perspectiva.”

Brumadinho

O tenente Thiago foi um dos bombeiros de Goiás que passaram dez dias em Brumadinho após a ruptura de barragem de rejeitos da Vale, que deixou mais de 300 vítimas, entre mortos e desaparecidos. Ele atuou na equipe de buscas terrestres para localização de corpos. “A gente se capacita, se prepara, mas não imagina que vai ser da forma que foi a tragédia. É chocante na hora que chega ao local. Exigiu muita empatia. A gente está vendo familiares chorando, querendo uma resposta, muitos sem norte nenhum se vão encontrar ou não (a vítima).”

O tenente conta que entraram nas áreas mais afetadas, a “zona quente”, para fazer as buscas, mesmo sabendo da possibilidade de outra barragem se romper. “Poderíamos perder nossa vida ali, mas pela nossa profissão a gente tem blindagem psicológica que nos permite correr o risco para minimizar a dor e dar conforto para outra pessoa. Nosso trabalho nos capacita. A gente sempre se doa ao máximo na situação para não ter que lamentar que poderia ter feito um pouco a mais”, acrescenta.

Característica é desejável para gestores

No meio empresarial, na área de gestão, quanto mais se sobe a escala hierárquica, maior a necessidade de responder de forma adaptativa às situações de pressão e aos revezes. A afirmação é da psicóloga organizacional Dorothy Irigaray.

Segundo ela, uma pessoa que não tem clareza de si e de como suas emoções se manifestam, fica suscetível a elas. “Fica a mercê inclusive de como elas influenciam na sua percepção e na sua tomada de decisão.”

Para o cofundador da Caminhos Vida Integral, o escritor Luciano Alves Meira, mesmo empresas que têm práticas de gestão de razoáveis para boas passam por etapas ruins. Processos de aquisições, fusões, que levam a demissões, enxugamento de departamentos, são exemplos de situações descritas como “caóticas”. “Esses momentos, por melhor que seja a empresa, são estressantes. Precisa investir para que as pessoas consigam sobreviver a isso.”

Diretor industrial da GSA Alimentos há quase cinco anos, o engenheiro de alimentos Luiz Fernando Bueno Franco, diz que o perfil do executivo brasileiro requer resiliência. “Ele lida muito com crise a todo momento. Nunca é fácil, tem redução de custos constantes, demanda de impostos altos que tira margem de lucro, e constantemente tem que reinventar sua planta de produção. Está no DNA do executivo brasileiro ser resiliente.”

Ele exemplifica que de 2015 a 2017 o Brasil passou por retração na economia e, nessas circunstâncias, o mercado cai e a ordem é reduzir custo e inovar. No caso da GSA, o diretor informa que a empresa obteve sucesso e conseguiu crescer na faixa de 9% em produção nesse período porque tem produtos “compatíveis com momentos de crise, já que têm aderência às classes C e D”. “Mas não podemos acomodar, investimos em novos produtos e processos para que em 2018 voltássemos mais fortes no mercado ainda.” Hoje produzem 35 milhões de pacotes por mês.

Responsável por uma equipe de 350 pessoas na área industrial, o diretor tem o auxílio de gerentes e supervisores para o trabalho direto com os colaboradores. “A gente precisa conscientizar toda equipe da necessidade de inovação. Porque o mercado está em constante mudança. Todo mundo está ciente que precisa ter esforço extra para se acostumar com a mudança a todo momento.” Ele informa que têm reuniões constantes a respeito das inovações. “O diferencial que faz a equipe ser resiliente é estar bem informada. Ninguém é pego de surpresa.”

Catarina Costa, que atua no departamento de recursos humanos da GSA, informa que a empresa tem uma universidade que dedica alguns módulos para trabalhar sobre como lidar com mudança e que também há treinamento para liderança.

Luiz Fernando diz que fez vários treinamentos de liderança. “Ajuda demais. Quando escuta outro ponto de vista, vai ampliando sua visão e sendo cada vez melhor. É um trabalho em equipe. Se cada um fizer sua parte, a gente consegue ter paz e tranquilidade para trabalhar e analisar o mercado para trazer inovações e poder sobressair nesse mercado globalizado”, acrescenta.

Alternativa para ‘driblar’ burnout

O estresse no ambiente de trabalho pode ter impactos ruins para o profissional e para a empresa, como baixa produtividade, diz o escritor Luciano Alves Meira, cofundador da Caminhos Vida, que representa a Authentic Strenght Advantage no Brasil. Juntos estão prestes a lançar no País o Workshop Resiliência. “As empresas precisam entender que elas são corresponsáveis pelo desenvolvimento humano dos colaboradores”, observa.
Presidente da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), a doutora em psicologia clínica Ana Maria Rossi informa que há dois tipos de estresse, o positivo, como o resultante do nascimento de filho ou promoção no trabalho, e o negativo, como o relacionado a uma demissão. O burnout é um nível devastador de estresse. “É um estresse sempre negativo e só ocorre em relação a pessoas economicamente ativas.” Pesquisas da ISMA-BR mostram que 32% desse perfil da população no Brasil sofre de burnout. Quanto à produtividade, “no geral essas pessoas trabalham cinco horas por semana a menos que outras e, desses 32%, 96% não se sentem capacitadas para trabalhar, mas com a pressão do mercado, continuam trabalhando, com receio de ser demitidas”. Segundo ela, a resiliência acaba sendo uma espécie de boia, evitando o afogamento. “Não conheço uma pessoa resiliente que sofra de burnout. A pessoa resiliente tem problema, mas tem capacidade de adaptação a estressores.”

Reportagem: Carla Guimarães (carla.guimaraes@opopular.com.br)

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